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Mulher Negra, Dignidade e Identidade

 
3. O papel mulher na tradição judaico-cristã
 

Numa realidade em que o homem detém o poder do pensamento e da palavra, reflexões sobre a mulher trataram sempre do corpo"da outra" pessoa, espaço do deleite e do pecado, da virtude e da transgressão e nunca do próprio corpo dos pensadores masculinos.

As bases ideológicas que situam a mulher como inferior e submissa vêm de muito longe, desde os mitos da criação, sendo que na igreja cristã temos o mito de Eva:

Na mitologia grega, o mito de Pandora , responsável por espalhar todos os males do mundo, também apresentava uma identidade negativa para a mulher:

Tais identificações negativas relativas às mulheres não se limitaram aos mitos da criação, já que os grandes pensadores fizeram questão de situá-las num plano bem inferior:

. Platão sugere que a mulher seria a reencarnação da alma de um homem que, em vida anterior, teria sido dissoluto e que agora recebia o castigo.
. Aristóteles afirmou que as mulheres e os escravos devem viver para servir a uns poucos privilegiados, além de situar que na relação homem-mulher o homem é o beneficiador e a mulher a beneficiada;
. São Tomas de Aquino muda o foco das diferenças entre homens e mulheres, saindo do plano físico para o psicológico, em função das reflexões tomistas em torno da inferioridade física feminina, influenciando profundamente o pensamento renascentista.
. Jean Jacques Rousseau dá o tiro de misericórdia, já que ser mulher para ele é ter uma condição esquizofrenizante, pela dicotomia entre ser santa e tentadora.

Sem dúvida, no mundo atual, o saber social se reproduz através dos modernos meios de comunicação social, que se tornam os mais importantes e eficientes geradores de oportunidades para a captação de conhecimentos e de todos os estereótipos e discriminações inseridos em seu bojo.

É importante frisar que a comunicação por não ser uma operação de via única, é um processo contínuo e dinâmico que gera respostas por parte do receptor... Neste sentido, a mulher em nossa sociedade vem sendo sempre colocada em situações paradoxais, já que consideram femininas uma série de atitudes e comportamentos estereotipados, que situam a imagem masculina como positiva e a feminina como negativa.

As mulheres carregam as condições determinadas historicamente pelos homens, sendo possuidoras de vários defeitos: histérica, faladora, caprichosa, frágil, incoerente, passiva, medrosa, fútil.

Já os homens são sempre vistos como criativos, decididos, lúcidos, combativos, organizados, objetivos, amantes da ciência etc.

A educação diferenciada desenvolvida em nosso meio, seja através da escola, da mídia, da família, da igreja, grupos de vizinhança e amizade, consiste em estabelecer uma relação entre identidade e papel sexual adequada ao estereótipo cultural de seu sexo.

Para as mulheres a relação identidade/papel sexual confirma a indispensabilidade da mulher ter filhos; ser boa mãe e esposa após o casamento; ganhar dinheiro sem que isto interfira em seus afazeres domésticos ou ameace a auto-estima de seu marido; bem como não discutir e externar adequadamente seus sentimentos sobre sexo.

Muitos poderão afirmar que estes padrões não são mais usados. No entanto, apesar das novas identidades e papéis que vão se formando/transformando na construção constante de cada sujeito em suas relações com o outro e com o mundo, tal fato não se dá na sua individualidade de ser único. O processo de construção da identidade individual tem necessidade de um "outro", definindo-se na prática, no cotidiano vivido, pleno de tensões. Cada um é , ao mesmo tempo, universal e singular. Pertence ao mundo e à sua "tribo", como diz Maffesoli (1987),com seus ritos, regras e controles. É exatamente a "tribo" que ao controlar, numerar, etiquetar em documentos oficiais, confere e legitima a identidade. Assim, hoje, na grande "tribo" regida pelos meios de comunicação de massa, são apresentados modos de pensar e de se comportar que buscam preservar modelos estereotipados e criar novos desejos que regulam uma forma de vida tecnologicamente programada, usando imagens que projetam papéis, sem preocupação de serem apropriados ou não à realidade do povo brasileiro e que se relacionam apenas à tradição do grupo hegemônico.

A formação da identidade vem lidando na escola e na mídia com um sistema de sentimentos e representações sociais relacionados a uma dada classe social e a uma cultura que não leva em consideração as classes populares, nem o segmento negro da população ou os migrantes de regiões do país vistas como "carentes" e ,muito menos ,a pluralidade cultural do país.

Por outro lado, cada grupo objetiva seu imaginário social, estabelecendo suas trocas e distribuindo seus papéis sociais, instituindo suas diferenças e construindo suas identidades. A riqueza da pluralidade cultural surge da multiplicidade desses imaginários. O imaginário das mulheres negras não é uma simples extensão do imaginário das mulheres brancas, sendo que cada grupo, mesmo que viva sob as mesmas condições de trabalho, constrói seu próprio imaginário, relacionado a seus mitos, crenças e ritos nos quais ancoram o sentido de suas vidas.

O mito da mulher negra super sexuada, construído ao longo da história, se origina da visão do período escravista que a considerava coisa, numa sociedade patriarcal, onde sempre predominou o poder do homem sobre a mulher, independente desta ser escrava ou senhora. Ambas tinham a obrigação de servir ao senhor, no entanto, em função das limitações estabelecidas pela igreja em relação ao sexo no casamento, que seria apenas para procriação, a escrava era usada para satisfazer as necessidades sexuais dos senhores. Num contexto de valores morais e religiosos rígidos, vai recair sobre a negra a responsabilidade do desejo do senhor, que justifica seus atos como inevitáveis diante da intensa sensualidade da escrava, que fica à mercê dos senhores e de seus filhos, além de despertar o ciúme e a inveja da senhora, o que gera os mais bárbaros crimes de tortura e todo o tipo de violência contra as escravas no Brasil.

A relação escrava-objeto sexual representava, aos olhos da senhora, uma ameaça aos laços abençoados e sacramentados da família branca, mas o fato da Igreja proibir relações sexuais com realização sexual do casal, levou os senhores ao uso contínuo das escravas como fonte contínua de prazer, além de gerar nas esposas uma aceitação social não explícita à infidelidade conjugal dos maridos.

A atuação sexual diferenciada entre negras e brancas situa a função que ocupavam na sociedade: mulher branca era educada para ser dona da casa e mãe de família, sendo proibida de manter relações sexuais antes do casamento. As mulheres brancas casavam-se muito cedo e aos vinte anos, se já não tivessem seus maridos eram consideradas solteironas. Seu lugar era o da submissão e de dona de casa exímia, tolerante com as transgressões sexuais do marido.

Quanto à mulher escrava era objeto sexual, ama de leite dos filhos da senhora, empregada doméstica.

 
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Mulher negra e comunidade-terreiro
O papel mulher na tradição afro-descendente
Mulheres negras e mães ancestrais
O papel mulher na tradição judaico-cristã
Conclusão
Referências Bibliográficas