Numa realidade
em que o homem detém o poder do pensamento e da palavra,
reflexões sobre a mulher trataram sempre do corpo"da outra" pessoa,
espaço do deleite e do pecado, da virtude e da transgressão e nunca
do próprio corpo dos pensadores masculinos.
As bases ideológicas
que situam a mulher como inferior e submissa vêm de muito longe,
desde os mitos da criação, sendo que na igreja cristã temos o mito
de Eva:
Na mitologia
grega, o mito de Pandora , responsável por espalhar todos os males
do mundo, também apresentava uma identidade negativa para a mulher:
Tais identificações
negativas relativas às mulheres não se limitaram aos mitos da criação,
já que os grandes pensadores fizeram questão de situá-las num plano
bem inferior:
. Platão
sugere que a mulher seria a reencarnação da alma de um homem que,
em vida anterior, teria sido dissoluto e que agora recebia o castigo.
. Aristóteles afirmou que as mulheres e os escravos devem
viver para servir a uns poucos privilegiados, além de situar que
na relação homem-mulher o homem é o beneficiador e a mulher a beneficiada;
. São Tomas de Aquino muda o foco das diferenças entre homens
e mulheres, saindo do plano físico para o psicológico, em função
das reflexões tomistas em torno da inferioridade física feminina,
influenciando profundamente o pensamento renascentista.
. Jean Jacques Rousseau dá o tiro de misericórdia, já que
ser mulher para ele é ter uma condição esquizofrenizante, pela dicotomia
entre ser santa e tentadora.
Sem dúvida,
no mundo atual, o saber social se reproduz através dos modernos
meios de comunicação social, que se tornam os mais importantes e
eficientes geradores de oportunidades para a captação de conhecimentos
e de todos os estereótipos e discriminações inseridos em seu bojo.
É importante
frisar que a comunicação por não ser uma operação de via única,
é um processo contínuo e dinâmico que gera respostas por parte do
receptor... Neste sentido, a mulher em nossa sociedade vem sendo
sempre colocada em situações paradoxais, já que consideram femininas
uma série de atitudes e comportamentos estereotipados, que situam
a imagem masculina como positiva e a feminina como negativa.
As mulheres
carregam as condições determinadas historicamente pelos homens,
sendo possuidoras de vários defeitos: histérica, faladora, caprichosa,
frágil, incoerente, passiva, medrosa, fútil.
Já os homens
são sempre vistos como criativos, decididos, lúcidos, combativos,
organizados, objetivos, amantes da ciência etc.
A educação diferenciada
desenvolvida em nosso meio, seja através da escola, da mídia, da
família, da igreja, grupos de vizinhança e amizade, consiste em
estabelecer uma relação entre identidade e papel sexual adequada
ao estereótipo cultural de seu sexo.
Para as mulheres
a relação identidade/papel sexual confirma a indispensabilidade
da mulher ter filhos; ser boa mãe e esposa após o casamento; ganhar
dinheiro sem que isto interfira em seus afazeres domésticos ou ameace
a auto-estima de seu marido; bem como não discutir e externar adequadamente
seus sentimentos sobre sexo.
Muitos poderão
afirmar que estes padrões não são mais usados. No entanto, apesar
das novas identidades e papéis que vão se formando/transformando
na construção constante de cada sujeito em suas relações com o outro
e com o mundo, tal fato não se dá na sua individualidade de ser
único. O processo de construção da identidade individual tem necessidade
de um "outro", definindo-se na prática, no cotidiano vivido, pleno
de tensões. Cada um é , ao mesmo tempo, universal e singular. Pertence
ao mundo e à sua "tribo", como diz Maffesoli (1987),com seus ritos,
regras e controles. É exatamente a "tribo" que ao controlar, numerar,
etiquetar em documentos oficiais, confere e legitima a identidade.
Assim, hoje, na grande "tribo" regida pelos meios de comunicação
de massa, são apresentados modos de pensar e de se comportar que
buscam preservar modelos estereotipados e criar novos desejos que
regulam uma forma de vida tecnologicamente programada, usando imagens
que projetam papéis, sem preocupação de serem apropriados ou não
à realidade do povo brasileiro e que se relacionam apenas à tradição
do grupo hegemônico.
A formação da
identidade vem lidando na escola e na mídia com um sistema de sentimentos
e representações sociais relacionados a uma dada classe social e
a uma cultura que não leva em consideração as classes populares,
nem o segmento negro da população ou os migrantes de regiões do
país vistas como "carentes" e ,muito menos ,a pluralidade cultural
do país.
Por outro lado,
cada grupo objetiva seu imaginário social, estabelecendo suas trocas
e distribuindo seus papéis sociais, instituindo suas diferenças
e construindo suas identidades. A riqueza da pluralidade cultural
surge da multiplicidade desses imaginários. O imaginário das mulheres
negras não é uma simples extensão do imaginário das mulheres brancas,
sendo que cada grupo, mesmo que viva sob as mesmas condições de
trabalho, constrói seu próprio imaginário, relacionado a seus mitos,
crenças e ritos nos quais ancoram o sentido de suas vidas.
O mito da mulher
negra super sexuada, construído ao longo da história, se origina
da visão do período escravista que a considerava coisa, numa sociedade
patriarcal, onde sempre predominou o poder do homem sobre a mulher,
independente desta ser escrava ou senhora. Ambas tinham a obrigação
de servir ao senhor, no entanto, em função das limitações estabelecidas
pela igreja em relação ao sexo no casamento, que seria apenas para
procriação, a escrava era usada para satisfazer as necessidades
sexuais dos senhores. Num contexto de valores morais e religiosos
rígidos, vai recair sobre a negra a responsabilidade do desejo do
senhor, que justifica seus atos como inevitáveis diante da intensa
sensualidade da escrava, que fica à mercê dos senhores e de seus
filhos, além de despertar o ciúme e a inveja da senhora, o que gera
os mais bárbaros crimes de tortura e todo o tipo de violência contra
as escravas no Brasil.
A relação escrava-objeto
sexual representava, aos olhos da senhora, uma ameaça aos laços
abençoados e sacramentados da família branca, mas o fato da Igreja
proibir relações sexuais com realização sexual do casal, levou os
senhores ao uso contínuo das escravas como fonte contínua de prazer,
além de gerar nas esposas uma aceitação social não explícita à infidelidade
conjugal dos maridos.
A atuação sexual
diferenciada entre negras e brancas situa a função que ocupavam
na sociedade: mulher branca era educada para ser dona da casa e
mãe de família, sendo proibida de manter relações sexuais antes
do casamento. As mulheres brancas casavam-se muito cedo e aos vinte
anos, se já não tivessem seus maridos eram consideradas solteironas.
Seu lugar era o da submissão e de dona de casa exímia, tolerante
com as transgressões sexuais do marido.
Quanto à mulher
escrava era objeto sexual, ama de leite dos filhos da senhora, empregada
doméstica.
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