Para uma comunidade
nagô, as relações dos homens com os orixás, entre si, com os animais,
com o princípio feminino ou masculino, é sempre na dimensão da luta(IJÁ),
segundo Muniz Sodré(1983). As coisas só existem pelo poder que possuímos
de lutar com elas e pelo mistério(AWÔ) de dominá-las Tal relação
é simbolizada por Exu, orixá responsável pela dinâmica de todas
as coisas, sendo conhecido como o pai da luta. O que entra
em jogo não é a força ou a violência, mas sim, as artimanhas, a
astúcia, a coragem, enfim, o poder de realização ou axé envolvidos.
Desde que a
humanidade passou a refletir sobre si mesma, o corpo, lugar
de prazer, vida , fecundidade é ao mesmo tempo lugar interdito e
espaço onde o mal pode se alojar, tendo sido, porisso, fruto das
mais diversas formas de pensar e teorizar.
Desta forma,
a corporeidade da mulher foi programada para ser expressa
com respostas já feitas, prontas e dadas, sendo uma consciência
de tudo, com as representações do que foi, do que é e do
que será. São, também, representações de sofrimentos, medos e dores
que se encontram em nosso imaginário.! No entanto, a mulher em geral
e a mulher negra em especial, com sua capacidade de pensar, sonhar
e criar mitos, se diferencia dos demais, provocada pelo elán da
realidade que não acata todas as representações que lhe impõem,
já que se sente muito mais do que pode render qualquer programação,
provando que somos ao mesmo tempo iguais e diversos.
Por outro lado
, a mulher negra brasileira, que vive em condições de extrema penúria,
não faz parte do segmento burguês de que trata o movimento feminista
mundial, já que os efeitos sociais da mística feminina por serem
profundos e extensos, criam uma polarização que mutila. Assim, a
ocupação dona-de-casa assume um significado para a mulher branca
e outro para a mulher negra.
Ao comparar
o universo das mulheres brancas e negras no Brasil, através dos
mitos que forjaram uma identidade negativa para as mulheres em geral
e uma sexualidade exacerbada para as mulheres negras em particular,
ressaltam conflitos de identidade cultural, bem como choques ideológicos,
já que o pensamento católico sempre estabeleceu o prazer de viver
como uma transgressão e a acumulação de bens como fundamental e
o pensamento afro-descendente sempre valorizou a acumulação de pessoas
e o prazer da energia da vida.
O cotidiano
e o imaginário de mulheres negras e brancas revelam os diferentes
concepções sobre a vida , a família e o uso do corpo em nossa sociedade.
Os rituais são
os meios pelos quais as mulheres negras expandem e preservam sua
força de vida ou axé. O ritual é simbólico e faz de cada sujeito
parte de um espaço que abriga a todos. Por meio de palavras, gestos,
sons, objetos, cânticos e movimentos, se reconstrói a vida, se recria
o mundo, e se liberta o ser humano, tornando-o parte integrante
do grupo. Através das danças rituais as mulheres incorporam a força
cósmica, criando possibilidades de realização e mudança, fazendo
de seu corpo um território livre, próprio do ritmo,
liberto de correntes.
A tradição de
cada povo, assim como sua língua, se ligam diretamente ao seu real,
àquela possibilidade que cada um tem de ver o mundo, de lidar com
o cotidiano, de sentir emoção, que nos faz ser ao mesmo tempo
igual a todos e completamente diferente! .
Mãe Stella com
uma linguagem simples e direta, fala da atuação das IYÁ(mães)
do Axé Opô Afonjá , contando detalhadamente o desempenho de cada
uma, situando seus hábitos, seus amigos e suas realizações. Fala
da relação profunda de sua Tia Arcanja com o terreiro, de sua iniciação
com Mãe Senhora, dos cargos existentes na casa e da relação entre
religião e cultura, efetivada em seus projetos atuais.
Situa todo o
significado simbólico da comunidade-terreiro, onde os filhos(as)
de santo alcançam diversos graus de iniciação por seu axé e como
a hierarquia se desenvolve com base nesta aquisição de axé (energia=sabedoria).
As saudações rituais entre os membros da comunidade ou os visitantes,
as funções de cada cargo, os trajes, a maneira de se vestir, de
usar o pano da costa , a postura para a dança, bem como todo o significado
litúrgico do bori , do padê e do axexé são temas abordados, que
situam a relação com a preservação da energia de vida(axé)de cada
um ,bem como da comunidade, além de sua relação com a morte , num
processo de trocas contínuas, que possibilitam a manutenção e o
crescimento do grupo segundo a tradição e o axé dos ancestrais.
A vida na comunidade-terreiro estabelece um limite cultural e identitário,
que distingue seus membros e ao mesmo tempo os aglutina .
Os rituais atualizando
e revitalizando os vínculos comunitários, evidenciam a dimensão
do sagrado, que surge da fusão do indivíduo na natureza através
da dimensão cósmica, ligado aos antepassados da humanidade, da nação
a que pertence, do terreiro e de sua própria família. Graças aos
orixás (energias da natureza),cada elemento é individualizado do
ponto de vista espiritual, não sendo, no entanto, um ser isolado
nem autônomo.
Segundo uma
língua específica, numa hierarquia determinada, com concepções próprias
do mundo e sonhos com um melhor viver, utilizando-se dos alimentos,
músicas e danças que se relacionam diretamente aos mitos, lendas
e refrões , plenos da alegria de viver e do entendimento do morrer,
os membros da comunidade terreiro explicitam um universo cultural
negro, usando uma forma própria de comunicação e ensino que são
as cantigas, textos míticos, histórias de seres ou animais, bem
como acontecimentos importantes ou lendas., que se caracterizam
pela vivência intensa de todos.
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