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Mulher Negra, Dignidade e Identidade

 
2.l - Mulheres negras e mães ancestrais
 

É muito complexo se comparar uma tradição com outra, tal como, por exemplo, traduzir orixá como santo, já que se estão relacionando meios e modos distintos de organizar a realidade, que podem servir de raiz para uma tradução ou traição. Sendo assim, a tradição de cada povo, como a língua de cada povo, está diretamente ligada ao seu real, está ligada àquela possibilidade que cada um tem de ver o mundo, de lidar com o cotidiano, de sentir emoção, e que tem uma maneira única de ser.

Mãe Stella foi pioneira em mostrar tal dificuldade em sua batalha contra o sincretismo religioso, já que, como se pode constatar:

    A relação Odudua/Obatalá, entendida simbolicamente, não representa uma simples relação de acasalamento do princípio feminino com o masculino. Há um princípio de completude do outro, de que a vida se constrói de mãos dadas e de que cada um de nós à medida em que estabelece esta relação, estabelece um elo mais completo com as coisas que estão à volta. Significa todo um processo de equilíbrio e de harmonia.

Para se entender bem tal relação, se faz necessário situar as mulheres do ritual gélèdès, que representam o culto às YÀMI, as grandes mães ancestrais.

Odudua simboliza a grande representante do princípio feminino, sendo o elemento responsável por todo o poder criador, do poder das mulheres, liderando o movimento das Iyá-mis, grandes mães ancestrais, que tudo criaram, transformaram e transmutaram desde o princípio dos princípios da formação do universo.

A sociedade Gélèdes, que já existiu no Brasil, é um ritual de mulheres que vestem panos coloridos - diferentes panos mostrando diferentes procedências. São as diferentes raízes que as pessoas podem ter na maternidade. A máscara Gélèdès, que cobre a cabeça da mulher vai representar o mistério, o maravilhoso, na cultura negra. O uso da máscara significa que eu estou aqui, agora, não falando da minha essência que está aqui, mas que simbolizo outro espaço, um espaço vivo, um espaço invisível que é aqui mesmo, que eu não conheço mas sinto!

Sem o poder feminino, sem o princípio de criação não brotam plantas, os animais não se reproduzem, a humanidade não tem continuidade. Assim, o princípio feminino é o princípio da criação e preservação do mundo: sem a mulher não existe vida, sendo, segundo os mitos, ser reverenciada e respeitada pelos orixás e pelos homens.

    As Gélèdes e suas máscaras se tornam uma metáfora, sendo uma linguagem para a mãe natureza. O ojá é um símbolo das Gélèdes porque personifica o útero, pois ele carrega as crianças e as protege. Através das Iyá-mi (mães ancestrais) a arte das máscaras é usada para aglutinar as pessoas que se relacionam como filhos de uma mesma mãe, fazendo com que o espírito se manifeste através desta máscara, seguindo e alimentando o espírito humano. Representam o não uso da violência para resolver questões.

A mulher é a política e a mulher é o cotidiano. Nas culturas negras a mulher está presente em todos os lugares. As máscaras tem grande importância na vida religiosa, social e política da comunidade, mostrando as diferentes categorias de mulher:

. mulher secreta - ligada ao divino, serve como passagem e receptáculo do sagrado no mundo dos vivos, por gerar frutos.
. mulher símbolo político - não usa violência para resolver as questões, aglutinando as pessoas, vivendo o cotidiano.
. mulher sagrada - símbolo de todos os tempos, pois está virada ´para o futuro, sempre vulnerável e frágil, mas é aquela que abre o céu (orum) e deixa lugar para a mudança, o futuro, para a transformação.

A sexualidade da mulher negra faz parte da sua essência de princípio feminino, sendo muitos os mitos que representam a função e o papel mulher vista como útero fecundado, cabaça que contem e é contida, responsável pela continuidade da espécie e pela sobrevivência da comunidade. Não se encontra pecado nesta sexualidade.

Através das IYÁ as comunidades-terreiros se constituam num verdadeiro sistema de alianças. Desde a simples condição de irmão de santo até a mais complexa organização hierárquica, há o estabelecimento de um parentesco comunitário, como uma recriação das linhagens e da família extensiva africana. Os laços de sangue são substituídos pelos de participação na comunidade, de acordo com a antiguidade, as obrigações e a linhagem iniciática. Todos estão unidos por laços de iniciação às divindades cultuadas, aos demais iniciados, às autoridades, aos antepassados e aos ancestrais da comunidade.

Através do rito se tem todo um sentido de manifestação das mulheres do grupo: rodando, dançando, se integrando com o cosmos, mostrando que temos consciência de que somos elementos dinâmicos, de que o movimento da roda - já que as mulheres são os elementos que dançam em círculo - representa o altar da criação, da vida, já que a terra está em movimento, o universo está em movimento e só se conseguirá estar em sintonia com o universo através do movimento.

 

1. -
2. -
2.l -
3. -
4. -
5 -
Mulher negra e comunidade-terreiro
O papel mulher na tradição afro-descendente
Mulheres negras e mães ancestrais
O papel mulher na tradição judaico-cristã
Conclusão
Referências Bibliográficas