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Organizações de Mulheres Negras Brasileiras
Pró III Conferência Mundial da ONU contra o Racismo, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância

É fato incontestável que a violação dos direitos humanos em nosso país possui raízes históricas, que se arrasta até os dias atuais, incidindo com muita força em camadas da população socialmente excluída e em grupos historicamente oprimidos, à exemplo da população negra.
Por muito tempo as manifestações políticas e culturais dos negros eram da alçada exclusiva da polícia. Portanto, toda a ação do Estado voltava-se para a repressão de qualquer reivindicação ou insubordinação por parte dos grupos excluídos. Isto por que a idéia de violação dos direitos não estava associada a da igualdade, mas sim a de cidadania relativa a posição, origem e ocupação do indivíduo na sociedade.

O Brasil é signatário de todos os Instrumentos Internacionais de Proteção que visam a garantia dos direitos básicos e a eliminação de todas as formas de discriminação e violência. Muitos desses princípios estão inscritos na Constituição de 1988. Isto revela que a maioria dos governos tem assumido a postura de aderir as normativas internacionais; mas acabam não absorvendo-as como metas ou regras legais para sua orientação. Ou quando são absorvidas, não estabelecem os mecanismos necessários para a implementação de tais normas. Isso porque, os valores e ideais que compõe este padrão civilizatório convivem ainda com outros padrões culturais e políticos opressores e exploradores. Mas, o Brasil não tem conseguido cumprir a sua "lição de casa" no combate ao racismo e ao sexismo.

O Brasil em 1999 foi classificado como um país de desenvolvimento humano mediano, ocupando a 79.ª posição, segundo o Índice de Desenvolvimento Humano, criado pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), que é um instrumento de avaliação e mensuração das condições materiais e sociais de vida dos povos. Todavia, quando os indicadores de desenvolvimento humano são desagregados por sexo e raça da população afrodescendente no Brasil, conforme elaborado pela Federação de Associações de Órgãos de Assistência Social e Educação (FASE), evidenciam o impacto do sexismo e do racismo, fazendo com que o IDH relativo à população negra do Brasil ocupe a108.º posição, em contraponto ao da população branca, que ocupa a 49.º posição.

A expectativa de vida que o IDH desagregado por gênero e raça revela para os segmentos da população são respectivamente: homem branco 69 anos; mulheres brancas 71 anos; homens negros 62 anos; e mulheres negras 66 anos. A média de expectativa de vida para o total de brancos é de 70 anos e para o total de negros é de 66,8 anos.

Os dados relativos à renda informam que o PIB per capita das mulheres negras é de 0,76 SM; homens negros:1,36SM; mulheres brancas: 1,88 SM dos homens brancos: 4,74 SM. No tocante ao índice de escolaridade são respectivamente: 82% para homens brancos, 83% mulheres brancas, 76% para mulheres negras: 70%; para homens negros.

Não é automático que direitos na lei signifiquem direitos na vida, principalmente quando falamos da situação das mulheres negras, conforme veremos a seguir:

A mulher negra tem sido, ao longo de nossa história, a maior vítima da profunda desigualdade racial vigente em nossa sociedade. Os poucos estudos realizados revelam um dramático quadro, que se prolonga desde muitos anos. Uma dramaticidade que está não apenas nas péssimas condições sócio-econômicas, produzidas por um sistema explorador. Mas também na negação cotidiana da condição de ser mulher negra, através do racismo e do sexismo que permeiam todos os campos da vida de cada uma. O resultado: um sentimento de inferioridade, de incapacidade intelectual e a quase servidão vivenciados por muitas.

A mulher negra está exposta à miséria, à pobreza, à violência, ao analfabetismo, à precariedade de atendimento nos serviços assistenciais, educacionais e de saúde. Trata-se de uma maioria sem acesso aos bens e serviços existentes em nossa sociedade e, em muito, exposta à violência. Entre as conseqüências extremas desta situação está o seu aniquilamento físico, político e social que chegam a atingir profundamente as novas gerações. A situação de máxima exclusão pode ser percebida quando analisamos a inserção da população feminina negra em diferentes campos: social, político e econômico.

O trabalho doméstico ainda é, desde a escravidão negra no Brasil, o lugar que a sociedade racista destinou como ocupação prioritária das mulheres negras. Nele, ainda são relativamente poucos os ganhos trabalhistas e as relações se caracterizam pelo servilismo. Em muitos lugares, as formas de recrutamento são predominantemente neo-escravistas, em que meninas são trazidas do meio rural, sob encomenda, e submetidas à condições subhumanas no espaço doméstico.

A mulher desempenha um papel essencial no desenvolvimento da produção sustentável e no consumo de bens e serviços para a sua família e a comunidade. Nos reassentamentos humanos, em zonas rurais e urbanas, não se leva em conta as famílias chefiadas por mulheres negras para a titulação e financiamento de moradias e definição de políticas afirmativas que garantam maior humanização de suas vidas.

"Morrer antes do tempo" por causas preveníveis e evitáveis é uma realidade para a população negra brasileira, da infância à idade adulta, incluindo maior mortalidade materna e infantil.

O descaso e até a omissão pertinentes às doenças de maior incidência na população negra, com expressivas repercussões deletérias na saúde reprodutiva das mulheres negras – a exemplo de hipertensão arterial, anemia falciforme, diabetes tipo 2 e miomas uterinos – evidenciam o racismo arraigado na assistência e na pesquisa em saúde, assim como no aparelho formador, notadamente escolas de saúde.

A magnitude das decorrências do racismo na saúde mental das mulheres negras exige estudos e políticas públicas, pois é inegável o impacto em nosso cotidiano, gerando profundo rebaixamento de sua auto-estima, um dos fatores impeditivos de uma vida plena e saudável.

Estudos demográficos realizados no Brasil sobre nupcialidade revelam que os estereótipos produzidos pelo racismo em relação às mulheres negras determinam a sua rejeição no mercado afetivo, produzindo seqüelas negativas em sua auto-estima.

A opressão de gênero e raça vivida pelas mulheres negras é agravada para aquelas que tem a orientação sexual diferente da heterossexual. A violência contra a mulher é uma constante em praticamente todas a s sociedades e culturas, que não respeita fronteiras de raça ou cor, geração e classe social. Todavia, a ausência de dados sobre violência domestica a sexual com recorte racial, invisibiliza o papel desempenhado pelo racismo nesta modalidade de violência, o que impede atenção adequada nas áreas de segurança social, saúde e Justiça.

O Brasil é uma das principais rotas do turismo sexual e do tráfico internacional de mulheres, onde meninas, jovens e mulheres não-brancas, especialmente das regiões norte e nordeste do país, são alvos fundamentais da indústria internacional do sexo. A manipulação da identidade cultural, étnica e racial dessas mulheres é o elemento constitutivo do sexy marketing que suporta o aliciamento e a exploração sexual dessas mulheres.

A naturalização do racismo e do sexismo na mídia reproduz sistematicamente estereótipos e estigmas em especial sobre mulheres negras, trazendo prejuízos para a afirmação de sua identidade racial e valorização social.

A desvalorização das expressões da cultura afro-brasileira, produz formas particulares de folclorização e coisificação das mulheres negras, notadamente no carnaval e na manipulação dos símbolos das religiões de matriz africana. As organizações de mulheres negras brasileiras vêm desenvolvendo uma série de experiências-modelo em diversos campos; tais como ações afirmativas em parceria com a iniciativa privada e universidades; capacitação de mulheres negras em comunicação, novas tecnologias, advocacy em mídia e em políticas públicas; cursos preparatórios para o acesso à Universidade; intervenções nos currículos, capacitação de educadores (as) e produção de recursos didático-pedagógicos altenativos, atendimento à saúde, psicossocial, jurídico e de direitos humanos às mulheres negras em várias regiões do país. São experiências exemplares, através das quais buscamos sensibilizar e demonstrar aos governos, em todos os níveis, a viabilidade de políticas públicas para estas questões.

As condições desiguais a que as mulheres negras estão submetidas exigem a adoção de uma perspectiva inclusiva, que se expresse de imediato em medidas compensatórias para a melhoria das condições de vida, a erradicação do racismo, promoção da igualdade e garantia do exercício efetivo da cidadania.

Os temas arrolados neste documento constituem o eixo básico que norteará o documento a ser produzido pelas Organizações de Mulheres Negras para a III Conferência Mundial contra o Racismo, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância.

Rio de Janeiro, 1, 2 e 3 de setembro de 2000

Organizações presentes:
Nzinga – Coletivo de Mulheres Negras/ MG;
Maria Mulher - Organização de Mulheres Negras / RS;
Ialodê – Centro de Referência da Mulher Negra/ BA;
Grupo de Mulheres Negras Malunga/ GO;
IMENA – Instituto de Mulheres Negras do Amapá/ AP;
Fala Preta! Organização de Mulheres Negras/ SP;
Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará – CEDENPA/ PA;
AMMA Psique e Negritude/ SP;
CRIOLA/ RJ;
Eleekó/ RJ;
Casa da Mulher Catarina/ SC;
ACMUA – Associação Cultural de Mulheres Negras/ RS;
Geledés – Instituto da Mulher Negra/ SP

Convidadas:
Fátima Oliveira – Conselheira do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher
Wânia Sant’Anna – FASE/ CNDM

Informações:
1. CRIOLA/ RJ [email protected]
2. Geledés – Instituto da Mulher Negra/ SP Nilza Iraci - [email protected]
3. Maria Mulher - Organização de Mulheres Negras / RS Claudia Pons Cardoso [email protected]
4. Nzinga – Coletivo de Mulheres Negras/ MG Ana Maria Silva Soares e Benilda Regina Paiva de Brito [email protected]