A
cidade de São Luís, no estado do Maranhão, a poucos anos catapultada
para o universo nacional através das propagandas veiculadas pelo
mass media, como sendo o mais novo enclave das festividades populares
regionais, com suas particularidades culinárias, religiosas, comportamentais,
cujo patrimônio histórico e arquitetônico ganhou notoriedade a partir
do momento em que transformou-se na cidade tombada pelo UNESCO,
portanto pertencente a humanidade, possui diversas maneiras de ser
compreendida considerando-se o "olhar" de quem a vê. Cidade localizada
na região Nordeste do país, tanto quanto na região Norte, particularidade
esta que a faz conhecida como a capital do "meio norte", é narrada
no imaginário simbólico de seus artistas bem como do cidadão comum,
na circularidade de suas lendas as quais falam de encantados, répteis
míticos, figuras lendárias. Sabidamente Liana Trindade prefaciando
o livro de Mundicarmo Ferretti, - Maranhão encantado: encantaria
maranhense e outras histórias - revela que
"encantados são entidades espirituais ou animais, que no término
de sua existência mortal tornaram-se imortais; espíritos que vivem
nas matas, nos rios e mares, baixam em terreiros, nos salões de
curadores e convivem com mortais. Os encantados dialogam com os
homens, não são sobrenaturais nem extraordinários, mas naturais.
Fazendo parte constitutiva da vida social, indicam os tabus, os
valores e práticas; castigam as transgressões sociais, a caça
ou pesca predatória. Embora sendo entidades pagãs, compõem os
sistemas de crenças da catolicismo popular; o poder dos sacramentos,
como o batismo, apazigua estes espíritos". (FERRETTI, M., 2000:
5).
A
cidade de São Luís apresenta um conjunto muito significativo de
lendas, histórias que são apresentadas dioturnamente no contexto
social de seus moradores, lendas estas que tomam corpo principalmente
na festividade mais importante do Nordeste, as festas juninas, materializadas
na pólis dos azulejos, na brincadeira do bumba-boi¹ . Neste
evento os "encantados", incorporados em seus filhos, tomam conta
das praças e ruas, juntamente com os brincantes, para prestar homenagens
aos padroeiros da festa, São João, São Pedro, São Marçal. Compartilhando
o espectro das lendas, figuras míticas encontradas na ilha, é necessário
lembrar do sebastianismo profético de Portugal, resgatado nas histórias
contadas sobre o Rei Dom Sebastião parcialmente mencionada em nota
de rodapé neste texto; a saga deste fidalgo, presente tanto em Portugal
como no Brasil, preserva "o mundo dos mortais encoberto sob o
encanto das tradições" (idem, p. 6). O sebastianismo construído
em Portugal durante os séculos XVI e XVII, sabidamente iluminado
pelo trabalho de Jacqueline Hermann em seu No reino do Desejado,
constrói sob outro "olhar" a construção do mito lusitano que aportou
as costas brasileiras, enriquecendo o imaginário fértil de nossa
cultura popular.
O prefácio de Ronaldo Vainfas ilustra dois momentos impressionantes
da construção desse imaginário, historicamente distintos, corroborando
a força das lendas e dos mitos em nosso cotidiano. Diz,
"...Não
por acaso, Jacqueline Hermann verifica que, na mesma época em
que Vieira era processado pelo Santo Ofício por pregar a ressurreição
de d. João IV, transformado em "duplo" de d. Sebastião, uma
humilde lisboeta dizia encontrar o próprio rei, desaparecido em
1578, numa ilha que visitava enquanto dormia - e isto na década
de 1660 -,(grifo nosso) realizando um autêntico vôo noturno
de que falavam os demonólogos" (HERMANN, 1998: 14)
Em
outra passagem menciona, coincidentemente, outro fenômeno correlato
ao primeiro:
"...Não
por acaso, faz muito tempo, um simples pescador da ilha de
Lençóis, no Maranhão, disse que debaixo da sua ilha d. Sebastião
conserva seu reino, reino subterrâneo que costuma visitar à noite,
enquanto dorme..." (grifo nosso) (idem, p. 14-5)
Tanto
a lisboeta como o pescador, mencionados nos trechos acima, separados
estes por nada mais, nada menos que aproximadamente 336 anos, "sonham"
com a ilha onde se encontra o fidalgo português. Diz-se no Maranhão
que Lençóis é o lugar onde está Dom Sebastião, "encantado" que é
incorporado por diversos fiéis do Tambor de Mina² que ecoam
nas noites ludovicenses. A partir desse universo simbólico amplo
e multifacetado diz-se que a cidade de São Luís é uma ilha encantada.
A ilha encantada é palco da diversidade religiosa própria do amálgama
étnico aqui localizado. Podemos encontrar desde o Catolicismo,
passando pela Assembléia de Deus até a fé fervorosa no Divino
Espírito Santo, cujas festas são realizadas tanto na cidade
de Alcântara (MA) como nos diversos terreiros de Tambor de Mina
espalhados na cidade. Há espaço também para as manifestações religiosas
que incorporam elementos da cultura indígena como a Pajelança
ou Cura³ , do Canjerê(4) , sem esquecer do Baião
das Princesas(5) que pertence à linha da cura. Declinando
um pouco para a ritualística da religião afro-brasileira, estaremos
diante da Umbanda, do Tambor de Mina mencionado anteriormente.
Todas essas religiões são estruturadas, de formas distintas, naquilo
que diz respeito ao seu modus operandi e compõem o espectro
sagrado da cidade.
Em São Luís, a cultura popular produzida possui, via de regra, enorme
facilidade para convergir as categorias de profano/sagrado, sem
que existam antagonismos no momento mágico (ou real) em que seus
cidadãos (re)criam os eventos que alimentam o vir-a-ser. Da mesma
forma que a pólis ludovicense guarda a capacidade surpreendente
de desenvolver diversas crenças e religiões em seu espaço urbano,
concomitantemente aponta para outra singularidade não menos importante,
que comprova a indissolúvel união cotidiana entre manifestações
profanas e sagradas. Longe dos terreiros, nas festas realizadas
no período junino, podemos perceber, em meio aos folguedos populares,
a presença das divindades, os caboclos, geralmente encontrados nas
manifestações religiosas no interior dos locais previamente determinados,
onde acontecem as cerimônias, incorporados em seus filhos-de-santo,
no meio da multidão alegre, ruidosa, indo e vindo no desenrolar
da brincadeira até seu término. Estes encantados participam das
principais festividades que são realizadas durante o mês de junho,
dançando nas ruas sob os olhares daqueles já acostumados a tais
manifestações bem como diante da perplexidade de outros. Em São
Luís é possível ver as divindades manifestadas "brincando boi" nas
ruas e praças públicas, envoltos(as) pela massa humana na manifestação
popular que envolve a ilha numa redoma de fantasia, pantomima, ludicidade,
fé.
Tradicionalmente acontece no dia 29 de junho, ápice das festividades
juninas, a passagem dos diversos bois existentes na ilha com seus
inconfundíveis sotaques&sup6 no interior da igreja de São Pedro, na
praça que leva o mesmo nome, como parte das homenagens a esse santo
católico (São Pedro), à exceção dos grandes bois de matraca (Maioba,
Maracanã, Ribamar...) que fazem outro circuito. É surpreendente
observar a igreja de São Pedro, pequena basílica construída em área
próxima ao aterro do Bacanga, no bairro da Madre Deus, com suas
portas diminutas (uma central, duas laterais), completamente tomada
por milhares de pessoas que passaram ali desde a noite anterior.
Brincantes fantasiados, turistas, "gente da terra" desfilam em frente
a imagem do santo padroeiro, rodeada por homens e mulheres que carregam
velas acesas, símbolo do cumprimento das promessas alcançadas. Vista
do alto das escadarias que circundam a pequena capela, ou das ruas
laterais morro acima, a profusão de gente falando ao mesmo tempo
e tocando os mais variados ritmos cria uma imagem muito semelhante
a um grande mercado, uma torre de babel. A condição múltipla encontrada
nessa festividade, fabricada pela interação dos artífices sociais,
assemelha-se a estrutura da "cidade polifônica", mencionada por
Canevacci (1997) quando fala do objeto e do método empregado na
construção de seu livro.
"O
título deste livro - A cidade polifônica - significa que a cidade
em geral e a comunicação urbana em particular comparam-se a um
coro que canta com uma multiplicidade de vozes autônomas que se
cruzam, relacionam-se, sobrepõem-se umas às outras, isolam-se
ou se contrastam; e também designa uma determinada escolha metodológica
de "dar voz a muitas vozes", experimentando assim um enfoque polifônico
com o qual se pode representar o mesmo objeto - justamente a comunicação
urbana. A polifonia está no objeto e no método". (CANEVACCI, 1997:
17-8).
Tanto
no âmbito religioso como no festivo pode-se observar, em São Luís,
a grande predominância do instrumento percursivo marcando o tom
das brincadeiras. A diversidade rítmica e melódica da cidade é surpreendente;
pode-se encontrar na ilha além dos folguedos destacados neste texto,
outras danças típicas da cidade como: coco, bambaê de caixa, cacuriá,
fita, boiadeiro, todas elas marcadas fortemente pela utilização
dos tambores. A força dos tambores é tão marcante que a ilha foi
cenário para a realização de uma obra-prima da literatura brasileira,
o romance Os Tambores de São Luís, de Josué Montello. O autor
foi acostumado, desde muito pequeno, a ouvir os tambores da centenária
Casa das Minas(7), fato este que o possibilitou construir a bela
narrativa que se passa "durante uma noite e algumas horas da manhã
seguinte. Mas, dentro desse espaço de tempo, que constitui seu arco
narrativo básico, outro arco se abre, para conter, ao longo da epopéia
romanesca, três séculos de lutas e insurreições negras". (N. do
E.).
A ação dos tambores podem ser constatadas em outras manifestações
artísticas da ilha. Uma delas trás para o meio da praça, canto (esquina),
um conjunto formado por mulheres negras, mestiças, que mexem-se
animadas, numa dança buliçosa, cheia de malícia. Estamos falando
do tambor de crioula, dança feminina, sempre realizada em
círculo, espécie de samba de roda, cantado com solo coreográfico,
no qual introduz-se a umbigada (chamada "punga"); as dançantes,
denominadas de "coreiras", revezam-se na roda à frente dos tambores.
O conjunto formado pelo tambor grande, meião, pererengue ou
crivador, compõem juntos o que se chama de "parelha". O mais
importante deles é chamado de tambor grande. As coreiras dançam
à sua frente, enquanto outros membros da comunidade, incluindo-se
os homens, entoam as cantigas apropriadas para este evento.
Os homens tocam os tambores, batem palmas, cantam... As mulheres
rodopiam graciosas no círculo formado, usando saias estampadas,
blusas brancas bordadas, turbantes, geralmente na mesma padronagem
que a saia, colares, maquiagem, deixando transbordar a satisfação
de lá estarem junto à comunidade, com os devotos, os santos. Uma
mulher de cada vez dança no meio do círculo, requebrando o corpo
em movimentos circulares, cadenciados, insinuando-se para o tambor
e seu tocador. Em determinado momento outra "coreira", que estava
fora do círculo, fabrica um movimento com seu corpo, dando a entender
que pretende entrar na roda. Intensifica-se o canto, o toque dos
tambores para que as duas mulheres, no centro da roda, comecem a
se aproximar para o momento esperado da "punga", onde a coreira
que entrou no círculo assumirá a continuidade do folguedo.
Esta dança, em ocasiões especiais - naquelas onde uma pessoa encontra-se
devedora de alguma promessa feita ao seu santo de devoção - é realizada
com todo o cerimonial que a ocasião exige: todos os presentes cantam
as ladainhas, geralmente em latim, na devoção do santo que fez a
graça. As ladainhas são entoadas por um longo tempo. As pessoas
mais próximas da pequena capela, improvisada algumas vezes para
cumprir uma finalidade religiosa, acompanham a reza; aquelas que
se encontram do lado de fora conversam em pequenos grupos ou observam
os tocadores esquentarem os tambores junto ao fogo. Somente após
a saudação realizada em latim aos santos devotos, os tambores começam
a tocar seguindo noite adentro até o raiar do dia para satisfação
dos presentes. Com o dia amanhecendo, as cozinheiras servem a todos
mocotó ou feijão.
Os tambores no estado do Maranhão e, particularmente, na cidade
de São Luís não tocam à-toa; há sempre uma ocasião profano-religiosa
para que se faça ouvir o toque das mãos dos tocadores no instrumento,
mexendo com os sentidos mais escondidos que possamos povoar o interior
dos homens.
Se a cidade de São Luís apresenta-se como um cadinho onde localizamos
variadas manifestações religiosas, algumas delas muito recentes
como o candomblé, esta convivência nem sempre ocorre através da
cordialidade, do equilíbrio; a "tensão" subjacente no cotidiano
religioso e social, principalmente das manifestações afro-brasileiras,
evidencia posicionamentos distintos em relação a um arco amplo de
ideologias e práticas, o qual passa pela maneira mais adequada de
dançar para esta ou aquela divindade, pela fidelidade às tradições
das cantigas entoadas, pela legitimidade do sacerdote em desenvolver
um determinado rito, sendo este possuidor do aval adquirido na "iniciação",
em detrimento de outros não possuidores dos atributos que conferem
tal posição, entre outras razões.
Este campo sócio-cultural, religioso, rico em possibilidades, abriga
manifestações religiosas antigas, como o tambor de mina, outras
com alguma convivência já legitimada neste universo (é o caso da
umbanda), além daquelas recentemente "assentadas" em solo ludovicense
como o candomblé. A permanência dessas manifestações no interior
do universo religioso do Maranhão faz com que sacerdotes e filhos-de-santo
convivam com relações de disputa, para a melhor colocação no locus
construído não apenas pelo consenso mas principalmente pelo dissenso,
característica fundamental encontrada na história da formação dos
principais terreiros localizados nas cidades brasileiras. Qualquer
derivação das manifestações religiosas afro-maranhenses disputam,
hoje, a maior legitimidade dos fiéis, do prestígio na sociedade
abrangente, a partir da qualidade dos serviços mágicos oferecidos
àqueles que acorrem para o interior dos terreiros afim de aplacarem
suas angústias. Conforme podemos constatar nos argumentos dos pesquisadores
que estudam as religiões afro-brasileiras, o candomblé desenvolvido
na região sudeste do país, principalmente na cidade de São Paulo,
já assumiu o caráter de constituir-se num produto mágico bastante
procurado pelos segmentos médios da sociedade, a moeda rentável
que carrega consigo os diversos sentidos atribuídos as diferentes
formas de "olhar" a realidade sócio-cultural. A incipiente experiência
do candomblé encontrado em São Luís já absorve esta dinâmica. Diz
Prandi que
"O
desatar de laços étnicos que, no curso das últimas três décadas,
tem transformado o candomblé numa religião para todos, também
propiciou um nada desprezível alargamento da oferta de serviços
mágicos (grifo nosso) para a população exterior aos grupos de
culto. Uma clientela já acostumada a compor visões de mundo particulares
a partir de fragmentos originários de diferentes métodos e fontes
de interpretação da vida. O candomblé oferece símbolos e sentidos
hoje muito valorizados pela música, literatura, artes em geral,
os quais podem ser fartamente usados pela clientela na composição
dessa visão de mundo caleidoscópica, sem nenhum compromisso religioso.
O cliente de classe média que vai aos candomblés para jogar búzios
e fazer ebós é o bricoleur que também tem procurado muitas outras
fontes não-racionais de sentido para a vida e de cura para males
de toda a natureza. Certamente o candomblé deste cliente é bem
diferente do candomblé do iniciado, mas nenhum deles contradiz
o sentido do outro." (PRANDI, 1996:40-1).
A
qualidade dos serviços mágicos, oferecidos à população local, é
uma das dimensões que estruturam a tensão existente entre os terreiros,
para fazer lograr melhores postos na disputa pela hegemonia do campo
religioso afro-maranhense. Outra dimensão importante é aquela que
diz respeito a aceitação, por parte dos terreiros mais antigos (tambor
de mina, principalmente), do candomblé neste universo. Esta ritualística
chegou a São Luís por intermédio da Casa Fanti-Ashanti, proeminente
terreiro cuja existência data de 1954 (possuía outro nome). A década
de 80 foi marcante para a Casa Fanti-Ashanti, seu sacerdote, Pai
Euclides, e seus filhos-de-santo, pois a partir daí começaria a
ser delineado outro rumo a ser seguido pelo ilê (casa), considerando-se
a anexação do candomblé ao conjunto das ritualísticas ali desenvolvidas.
A escolha feita pela Casa Fanti-Ashanti por agregar mais um rito
em seu interior foi motivada por necessidades religiosas, conforme
explicita Pai Euclides; no entanto percebe-se que a escolha feita
não considerou tão somente os aspectos religiosos, mas aqueles ligados
a popularidade inconteste do candomblé no país. Esta popularidade
seria oportuna para que a Casa Fanti-Ashanti pudesse ser conhecida
em outros circuitos religiosos das capitais brasileiras, mesmo considerando
o fato de que o tambor de mina, muito difundido no Maranhão, ainda
não era suficiente para das notoriedade a esta prestigiosa casa.
A aceitação por parte dos terreiros tradicionais de tambor de mina,
principalmente, gerou, a princípio, opiniões controversas sobre
a matéria, vindas de outros sacerdotes interessados, mesmo que de
maneira implícita, no insucesso deste empreendimento, considerando
a luta concorrencial instaurada no universo religioso afro-maranhense.
O sacerdote Jorge Itaci Oliveira, responsável pelo terreiro de mina
Iemanjá, externou sua posição acerca dos assuntos que versavam sobre
a presença do candomblé em terras ludovicenses:
"Álvaro:
O senhor acredita que há aceitação do candomblé em São Luís por
parte de outros chefes de terreiro? Jorge: Olha, eu não posso
nem te falar assim muito, Álvaro, porque os outros pais-de-santo...
eles sempre ficaram arredios a essa intromissão do candomblé aqui
no Maranhão e eu acho que para as outras comunidades religiosas
africanas aqui, o candomblé é um intruso, dentro dos terreiros
de mina. Ele não é assim muito bem aceito. Eu aceito, não sei
o que as casas grandes pensam disso, nem outras casas também,
que são grandes porque estão vivas hoje em dia... porque é um
assunto que a gente nunca debateu em nenhum encontro que a gente
já teve, nunca foi debatido esse assunto do que pensa os adeptos
do tambor de mina para a introdução do candomblé no Maranhão".
(entrevista realizada em março/99).
Outra
influente mineira de São Luís, dona Deni Prata Jardim, conhecida
como mãe Deni, uma das responsáveis pela centenária Casa das
Minas, há 57 anos no santo, também emitiu seu parecer a respeito
da vinda de outras manifestações religiosas para a cidade. Parece
ficar implícito, em seus argumentos, a discordância a respeito da
presença do candomblé em solo maranhense.
"Álvaro:
Qual é a opinião da senhora sobre a vinda do candomblé para São
Luís? Deni: Olha, a vinda do candomblé prá São Luís é uma opinião
também que eu não posso dar, porque eu não sei também o porquê.
(...) Ninguém me... não foi uma coisa que se reunisse os terreiros
de mina prá dar um parecer, né? É uma idéia formada pelo... Eu
não tenho nada absolutamente prá dar uma opinião concreta dessa
história. Porque também não faço parte lá desse candomblé, nunca
nem fui na Bahia, aonde ele foi fundado, prá eu ver como é". (entrevista
em março/99).
Podemos
notar que o conteúdo apresentado na fala dos sacerdotes entrevistados
evidencia algumas vezes, a controvérsia instaurada quanto a presença
e fixação do candomblé em terras maranhenses. Se existe aceitação
ela não é unânime bem como as vozes discordantes não dominam as
relações societárias estabelecidas entre o povo-de-santo local.
Ainda presenciaremos outros desdobramentos relacionados com essa
questão.
Mencionamos páginas acima a existência da luta concorrencial pelas
melhores colocações dos sacerdotes e suas respectivas casas no cenário
religioso afro-maranhense, isto é, a disputa pela hegemonia do campo
religioso acirra-se, considerando as diversas estratégias usadas
pelos sacerdotes. A categoria que utilizamos aqui, campo religioso,
encontra-se amparada na noção de "campo", tratada por Bourdieu.
"Bourdieu denomina "campo" esse espaço onde as posições dos agentes
se encontram a priori fixadas. O campo se define como o locus onde
se trava uma luta concorrencial entre os atores em torno de interesses
específicos que caracterizam a área em questão" (ORTIZ, 1983:19).
O campo de que tratamos aqui é o da religião, no qual os sacerdotes
já estão com suas posições pré-fixadas na prática social inerente
a ele. Assim se todos os sacerdotes buscam conhecer mais profundamente
os segredos de cada ritualística, fincando as estacas divisórias
entre aqueles que possuem maior conhecimento pelo "tempo no santo"
e os sacerdotes ainda imaturos nos meandros do conhecimento ritual,
é lícito pensar que quanto mais o sacerdote estiver em sintonia
com os diversos segmentos da sociedade abrangente, sabendo pois
criar as correspondências entre ela e a comunidade-terreiro, maior
o prestígio coletivo e pessoal.
Portanto, as estratégias sociais desenvolvidas pelos sacerdotes
inseridos no campo religioso fazem com que este mesmo campo se particularize,
"...pois, como um espaço onde se manifestam relações de poder
(grifo nosso), o que implica afirmar que ele se estrutura
a partir da distribuição desigual de um quantum social que determina
a posição que um agente específico ocupa em seu seio" (ORTIZ, 1983:21).
Segundo Bourdieu, esse quantum é chamado de "capital social".
"O
capital social é o conjunto de recursos atuais ou potenciais que
estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou
menos institucionalizadas de interconhecimento e de inter-reconhecimento
ou, em outros termos, à vinculação a um grupo, como conjunto de
agentes que não somente são dotados de propriedades comuns (passíveis
de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles
mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e úteis.
[...] O volume do capital social que um agente individual possui
depende então da extensão da rede de relações que ele pode efetivamente
mobilizar e do volume do capital (econômico, cultural ou simbólico)
que é posse exclusiva de cada um daqueles a quem está ligado"
(BOURDIEU, 1998:69).
Considerando
os argumentos expostos por Bourdieu e Ortiz, é possível afirmar
que a (re)construção do campo religioso afro-maranhense passará,
necessariamente, pela quantidade de "capital social" à disposição
dos sacerdotes que fazem parte do grupo seleto de responsáveis dos
terreiros em São Luís, quantia esta desigual que poderá ser quantificada
positiva ou negativamente a partir da extensão que a rede de relações
mantidas pelo sacerdote, dentro e fora do terreiro, puder comportar.
Estas condições sociais favoráveis certamente serão de grande valia
no momento em que estiverem em pauta, explicitamente, as questões
relacionadas com a (re)construção do campo religioso afro-maranhense.
Se o "capital social", conforme afirma Bourdieu, somente ocorre
considerando a vinculação do agente a um determinado grupo unido
por laços de interesse mútuo, é pertinente frisar que estamos aqui
tratando da justaposição de dois grupos com seus respectivos capitais
sociais, quais sejam, o já citado conjunto dos sacerdotes da religião
afro-maranhense e aquele formado pelos "intelectuais orgânicos"
do qual Pai Euclides faz parte. Assim sendo, o agente que possuir
maior volume de capital acumulado bem como maior extensão da rede
de relações de ambos os conjuntos, estará bem situado entre eles.
A categoria de "capital social" leva-nos diretamente a focar
as relações de poder mencionadas anteriormente. Estas relações não
podem ser enxergadas única e exclusivamente na condição solitária
dos indivíduos enquanto núcleo elementar, matéria social aberta
a espera das interferências vindas do poder. É lícito pensar que
"aquilo que faz com que um corpo, gestos, discursos e desejos
sejam identificados e constituídos enquanto indivíduos é um dos
primeiros efeitos do poder" (FOUCAULT, 1995:183). Quando trata
do sistema do direito, falando sobre o campo judiciário, Foucault
menciona cinco precauções metodológicas fundamentais para se enveredar
na discussão das relações de dominação e técnicas de sujeição. A
terceira delas é pontual para justificar os argumentos a respeito
da teia tecida nessas relações. Diz que devemos ter presente que
o poder
"...não
é algo que se possa dividir entre aqueles que o possuem e o detêm
exclusivamente e aqueles que não o possuem e lhe são submetidos.
O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como
algo que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou
ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma
riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas
malhas os indivíduos não só circulam mas estão sempre em posição
de exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca são o alvo inerte
ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão. Em
outros termos, o poder não se aplica aos indivíduos, passa por
eles" (FOUCAULT, 1995:183).
Em
busca do melhor capital social que possa oferecer as condições ideais
de legitimidade no cenário religioso e social em São Luís, os sacerdotes
adotam estratégias distintas para lograr seus objetivos. Pudemos
acompanhar, em nossa pesquisa, as estratégias desencadeadas por
Pai Euclides da Casa Fanti-Ashanti. Suas ações deixaram evidente
que, se por um lado seu terreiro ainda não possui o respeito pela
antigüidade religiosa adquirida pela Casa das Minas e Casa de Nagô
(são centenárias), por outro trás à tona sua incomparável capacidade
de caminhar pelos interstícios da sociedade abrangente, amarrando
os contatos com os mais diversos profissionais e religiosos, credenciando-se
assim a ser um forte candidato na disputa que ora segue.
Está capacidade de envolvimento com a sociedade começou a patentear-se
a partir de dezembro de 1986, período em que foi gravado o disco
Tambor de Mina, Cura e Baião na Casa Fanti-Ashanti/MA,
sério trabalho de pesquisa realizado em São Luís por Mundicarmo
Ferretti sobre as tradições religiosas populares no Maranhão. Os
registros sonoros para a confecção do disco foram feitos na Casas
Fanti-Ashanti. Este importante documento fonográfico, idealizado
pela pesquisadora, inicia, acreditamos, a inserção do terreiro no
universo do "mass media" local, tornando-o mais conhecido
do grande público, pouco familiarizado com as cantigas que são freqüentemente
entoadas nas dependências dos terreiros da religião afro-maranhense.
Seguindo a trajetória de constituir seu capital social, Pai Euclides
grava Candomblé do Maranhão, o primeiro CD com cantigas dessa
ritualística em São Luís, reforçando, assim, a idéia de que seria
possível constituir a convivência harmoniosa entre duas práticas
rituais distintas: o tambor de mina majoritário na ilha e o candomblé.
Na ocasião em que este CD foi lançado, segundo a pesquisadora mencionada,
Pai Euclides havia lhe falado que "tudo começou com o disco;
que aquela pesquisa foi muito importante e que o disco foi importante
mesmo...". A Casa Fanti-Ashanti já era procurada por jornalistas
da cidade antes do lançamento do disco de vinil. O disco selou o
progressivo prestígio que Pai Euclides começava a possuir como sacerdote
deste terreiro em São Luís, conforme as informações que obtivemos
de Mundicarmo Ferretti.
Continuando no caminho da visibilidade, perseguida pela Casa Fanti-Ashanti,
mencionamos a realização do II Encontro Maranhense de Cultos
Afro-Brasileiros (novembro de 96) e do III Encontro de Cultos
Afro-Brasileiros (novembro de 98). Há pouco tempo o cineasta
Renato Barbieri, juntamente com sua equipe, encerrou a produção
do documentário Na rota dos orixás, filmado no Benin, Salvador e
São Luís. Nesta última cidade o cineasta direcionou suas lentes
para a Casa Fanti-Ashanti; foi partícipe da amizade mantida entre
Pai Euclides e Avimanjé Non, sacerdote de Uidá, Benin. Pode-se ver
no documentário um dos momentos mais emocionantes quando os dois
sacerdotes trocam presentes, (levados por Renato durante as tomadas
do Benin e São Luís), palavras de reconhecimento da estreita afinidade
étnica e religiosa entre ambos.
O capital social deste sacerdote também contou com a presença de
diversos pesquisadores das religiões afro-brasileiras (inclusive
nós), cineastas, fotógrafos, entre outros. É importante frisar que
o universo jornalístico esteve presente; a revista, Parla (São Luís),
apresentou reportagem intitulada O Costureiro da Fé, sobre
a capacidade criativa de Pai Euclides confeccionar suas roupas.
Conforme entendemos, o processo de (re)construção da religião afro-brasileira
na cidade possui determinados elementos que compõem sua gênese.
Um deles pode ser encontrado na difícil situação de declínio, processo
quase irreversível, enfrentado pela Casa das Minas e Casa de Nagô.
A Casa das Minas, ícone centenário da nação jeje no Maranhão (e
no Brasil), realizou sua última feitura de iaôs no ano de 1914 conforme
menciona o antropólogo e estudioso das religiões afro-brasileiras
Sergio Ferretti. De lá para cá não houve mais a introdução de novas
filhas-de-santo (vodúnsis), o que acarreta a falta de renovação
do quadro religioso, considerando que as atuais componentes dessa
casa já possuem idade avançada. Na eventualidade do fechamento desta
antiga casa religiosa, deverá eleger-se outra mãe ou pai-de-santo
capaz de assumir a incumbência de dar continuidade ao trabalho já
desenvolvido bem como contar com a presença de um quadro renovado
de adeptos. Outro elemento importante é o aparecimento de distintas
ritualísticas no universo afro religioso de São Luís; os ritos que
chegaram depois (como a umbanda, o candomblé) disputam os espaços
religiosos com a mina maranhense mais sedimentada nos espaços citadinos.
Cabe frisar também que a adaptação dos terreiros diante das exigências
da sociedade contemporânea são fatores relevantes que incidem na
(re)construção do cenário religioso afro-brasileiro em São Luís.
Tanto as duas casas mencionadas bem como outras de menor porte existentes
na cidade, a nosso ver, deram mais importância para a "tradição"
do tambor de mina maranhense, considerado a célula mater da ritualística
de nação jeje no Brasil, em detrimento das modificações sociais
exigidas pelo ritmo vertiginoso da pólis atual. Observando os terreiros
com os quais tivemos contato durante o período do trabalho de campo,
é possível afirmar que a Casa Fanti-Ashanti foi o único terreiro
que manteve a preocupação de estabelecer transformações no modus
operandi de sua prática sócio-religiosa, aproximando, por outro
lado, o discurso de seu sacerdote com as expectativas dos setores
organizados da sociedade civil que mantiveram a interlocução com
aquele santuário religioso. Por mais paradoxal que possa parecer,
a adequação do discurso de Pai Euclides com a sociedade abrangente,
naquilo que diz respeito ao processo de transformação, reflete a
concepção de mundo por ele estruturada.
O campo da contenda por maior legitimidade e visibilidade nas religiões
afro-maranhenses, travada pelos sacerdotes e filhos-de-santo; as
diversas possibilidades estampadas para a (re)construção do universo
religioso de São Luís, ainda abertas em conseqüência dos posicionamentos
controversos dos artífices envolvidos; a capacidade encantadora
que a ilha possui em fazer-se reconhecer como santuário das lendas
e histórias deslumbrantes de seu traçado, constituem o ethos fundamental
da socialidade ludovicense. Pelo sim ou pelo não a trajetória polifônica
ainda continuará a criar misturas de rara beleza na ilha encantada,
apesar das tentativas de fazê-la deixar de existir.
Notas:
1) A brincadeira
do "bumba-meu-boi maranhense é, tradicionalmente realizado na intenção
de São João, com base na crença de que agrada a esse Santo organizar
um boi ou participar de um que já se ache organizado. Através dos
cantos, danças e demais elementos do ritual de bumba, seus participantes
rendem homenagens a São João, pagam promessas feitas, ou seja, o
boi funciona como veículo de comunicação espiritual, como ponte
de ligação entre o Santo e o devoto. [...] Embora essa explicação
de cunho religioso ligada à figura de São João seja a mais forte,
a mais evidente e comumente aceita como justificativa e motivação
para a realização do Bumba-boi maranhense, existe, secundariamente,
como um componente da fértil imaginação popular, uma ligação entre
o Bumba-boi e a curiosa "Lenda de Dom Sebastião", rei de Portugal.
Conta-se que esse rei, depois de desaparecer em Alcácer-Quibir,
veio com toda a corte de Queluz, encantar-se na Praia dos Lençóis,
localizada no município de Cururupu, no Estado do Maranhão. A partir
daí, justamente durante o período das festas juninas, ele se transforma
em luzente touro coberto de pedras preciosas, com olhos de fogo,
fulgurante estrela na testa, chifres de ouro e boca de brasa. E,
assim, transfigurado, aparece em desabalado galope e apavora os
pescadores incautos." (CARVALHO, 1995:40).
2) "Casa
de mina ou tambor de mina, é a designação popular, no Maranhão,
para o local e para o culto de origem africana que em outras regiões
do País recebe denominações como candomblé, xangô, batuque, macumba,
etc. É o nome de uma das religiões afro-brasileiras desenvolvida
pôr antigos escravos africanos e seus descendentes. Entre outros
aspectos, caracteriza-se como religião de transe ou possessão, em
que entidades sobrenaturais são cultuadas e invocadas, incorporando-se
em participantes, principalmente mulheres, sobretudo pôr ocasião
de festas, com cânticos e danças, executados ao som de tambores
e outros instrumentos. Daí o termo tambor, pelo qual também são
designados tais cultos" (FERRETTI, S., 1996:11)
3) "Cura
é um ritual público e festivo da pajelança cabocla do Norte, realizado
em muitos terreiros de São Luís, onde o pajé (ou curador) incorpora
entidades espirituais de diversas linhas, canta, dança e toca maracá
durante a noite toda. Na Cura o pajé é acompanhado pela assistência
(que canta e bate palmas), por tocadores de pandeiros e de outros
instrumentos musicais e 'dá passagem' (em um transe de pequena duração)
a grande número de entidades espirituais. Durante o ritual, o pajé
ou curador é acompanhado por um auxiliar ('servente de Cura'), que
defuma o salão, acende seu cigarro, serve-lhe uma bebida (às vezes
chá de erva preparada pelo curador, antes do ritual), entrega-lhe
suas 'panas' ('bandeiras' pequenas de seda ou de veludo, que representam
suas principais linhas de encantados).
A cura incorpora muitos elementos do catolicismo popular (santos,
rezas, benzimentos, devoção a Nossa Senhora), e da cultura indígena
(presença de maracá, transe com animais encantados, uso de ervas
medicinais e cigarro de 'tauarí' preparado com diversas ervas e
enrolado em folha de planta da região),e parece corresponder ao
Toré, realizado em terreiros nordestinos que têm linha de Jurema
ou Catimbó (de origem indígena). É também muito influenciada, em
São Luís, pela Mina-nagô, o que explica porque ali muitos curadores
abriram terreiros com linha de Cura e de Mina e porque em muitos
terreiros de São Luís recebe-se entidades espirituais de Cura em
'toques' de Mina". (FERRETTI, M., 1993:343-44).
4) "O Tambor
de Borá ou de Canjerê é um 'toque' de caboclo, para entidades espirituais
indígenas, onde não ocorrem transes com voduns e orixás. Nele se
homenageia São Miguel Arcanjo, patrono dos índios, chefe das entidades
espirituais das matas e também 'pesador das almas' (juiz). [...]
Apesar do termo Canjerê ser de origem bantu, aquele ritual é considerado
na Casa Fanti-Ashanti como ameríndio, uma vez que dele participam
entidades espirituais indígenas da aldeia de Tabajara - que apesar
de ser filho do Rei da Turquia, tornou-se chefe indígena ao casar-se
com a índia Bartira (uma das poucas entidades femininas que participam
do ritual)" (op. cit., pp. 330-31).
5) O Baião
"... pertence à linha de Cura (de 'água doce') mas nele são também
recebidas algumas entidades espirituais que participam da Bancada
(ritual do Tambor de Mina). Segundo Pai Euclides, o Baião (corruptela
de Bailão), é inspirado nos bailes de São Gonçalo, santo invocado
na abertura e no encerramento do ritual. Teria surgido em São Luís,
no final do século passado, no Terreiro do Egito (já desaparecido),
quando a religião afro-brasileira e a pajelança eram proibidas.
[...] Apesar do Baião ser uma festa feminina - dançado pôr mulheres,
com entidades espirituais femininas - muitas entidades masculinas,
principalmente da Cura, são homenageadas naquela festa. Pôr essa
razão, não se pode dizer que o Baião é uma inversão do Samba Angola
(Candomblé de Caboclo), uma vez que neste as entidades espirituais
masculinas (caboclos e boiadeiros) são recebidos também (ou principalmente)
pôr mulheres, e não se acostuma cantar para entidades femininas
recebidas na casa em outros rituais" (op. cit., pp. 359-61).
6) Existem
quatro sotaques identificados, na opinião dos entendidos, no Estado
do Maranhão: Matraca, Zabumba, Orquestra e de Pindaré.
"O sotaque de Matraca é próprio dos bois da ilha de São Luís do
Maranhão, que formam verdadeiros batalhões de pessoas. O sotaque
de Zabumba, onde a presença africana é mais incisiva, apoiando-se
nos tantãs - tambores enormes de percussão rústica - que produzem
um ritmo mais lento, socado, que lembra a melancolia do banzo ou
a tristeza das senzalas. O sotaque de Orquestra, marcado pôr um
ritmo alegre, mais suave, produzido pôr um conjunto de instrumentos
sonoros: clarinetes, banjos, saxes, pistons, entre outros. O sotaque
de Pindaré, advindo da região da Baixada Maranhense, que apresenta
matracas e pandeiros menores que os dos bois da ilha, resultando
num toque mais leve, além de se caracterizar pelo guarda-roupa rico
e exuberante, onde se destacam os grandes chapéus ornados de fitas
coloridas e de penas" (CARVALHO, 1995:47-8).
7) "Casa
das Minas é o nome pelo qual é conhecido o mais antigo terreiro
de tambor de mina de que se tem notícia no Maranhão, sendo provavelmente
o que deu origem a esse culto em terras maranhenses, e que aqui
serviu de modelo a outras casas semelhantes. É também chamada de
Casa Grande das Minas ou Casa das Minas Jeje, por ter sido fundada
por negros jeje, denominação dada a grupos étnicos provenientes
do sul do Benim - o ex-Daomé - vindos em grande número para o Brasil
no século passado". (FERRETTI, S., 1996:11).
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