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Mulheres Negras - do umbigo para o mundo
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AFROETNOMA TEMÁTICA, ÁFRICA E AFRODESCENDÊNCIA.

HENRIQUE CUNHA JUNIOR.

Professor Titular.

Universidade Federal do Ceará

1-     AFROETNOMATEMÁTICA.

Afroetnomatemática é a área da pesquisa que estuda os aportes de africanos e afrodescendentes a matemática e informática, como também desenvolve conhecimento sobre o ensino e aprendizado da matemática, física e informática nos territórios da maioria afrodescendentes. Os usos culturais que facilitam os aprendizados e os ensinos da matemática nestas áreas de população de maioria afrodescendentes é a principal preocupação desta área do conhecimento.

A afroetnomatemática se inicia no Brasil pela elaboração de praticas pedagógicas do Movimento Negro, em tentativas de melhoria do ensino e do aprendizado da matemática nas comunidades de remanescentes de quilombo e nas áreas urbanas cuja população é majoritária de descendentes de africanos denominadas de populações negras. Esta afroetnomatemática tem uma ampliação pelo estudo da historia africana e pela elaboração de repertórios de evidência matemática encontrados nas diversas culturas africanas. Este estudo da historia da matemática no continente africano trabalha com evidências de conhecimento matemático contidas nos conhecimentos religiosos africanos, nos mitos populares, nas construções, nas artes, nas danças, nos jogos, na astronomia e na matemática propriamente dita realizada nos continente africano. O que é realizado para o continente africano tem sua extensão para as áreas de diáspora africana.  A complexidade da racionalidade lógica africana é a matéria por de trás destas pesquisas. 

A preocupação com o ensino e o aprendizado da matemática em territórios de maioria afrodescendente nasce da constatação das precariedades da educação formal matemática nestas áreas. Constatamos que em muitas das áreas de maioria afrodescendente praticamente inexiste ensino competente e adequado da matemática. Existindo daí um grande fracasso no aprendizado da matemática que fica imputado a população e não a ineficiência do sistema educacional. Encontramos em muitos destas áreas de maioria afrodescendente o credo esdrúxulo e racista de “negro não dá para a matemática”. Este credo esdrúxulo cria sua própria cultura de naturalização social e passa exercer a sua força de reprodução, servindo como justificativa ideologia da ausência de políticas publicas do estado para o ensino e aprendizado da matemática nestes territórios. “O dito” negro não dá mesmo para a matemática “inferioriza os afrodescendentes e cria um medo interior, uma  rejeição a matéria matemática. Fica no ar um pensamento, como se os teste escolares de matemática revelariam a verdade do credo esdrúxulo, mostrando uma confirmação da suposta inferioridade cognitiva deste afrodescendentes para a matemática. O credo serve para justificar a falta de ação e adequada do sistema educativo as necessidades de aprendizado matemático dos afrodescendentes. O persistência de uma abordagem universalista produz discursos anti-pedagógicas de os educadores ensinam “igualzinho a todos”, e se deduz que “uns” aprendem, os eurodescendentes de outras áreas sobre tudo, e “outros” não aprendem. Os outros tem designação social de pretos, pobres e pardos. Nós pesquisadores interessados no desempenho matemático de afrodescendentes temos observados que nos territórios de maioria afrodescendentes por vezes não existe o ensino de matemática. Trata –se apenas de uma simulação de ensino de matemática. Aa aulas de matemática são descontinuas, dadas por professores improvisados e de treinamento precário para desempenho das suas funções. Onde ele existe é deficiente e desprovidos dos meios e métodos adequados. No entanto, o ônus da deficiência de um sistema educacional, que leva sempre a submissão e a inferiorização dos afrodescendentes, recai justamente sobre nos afrodescendentes, dando a impressão de que  temos uma dificuldade genética para a o aprendizado da matemática. Assim uma das tarefas importantes da Afroetnomatemática é o uso da historia de africanos e afrodescendentes para mostrar o sucesso passados nas áreas da matemática e dos conhecimentos relacionados com esta como a arquitetura e a engenharia.

Dado esta finalidade da Afroetnomatemática é que organizamos este texto introdutório em quatro direções. Abrimos nosso caminho de exposição pela apresentação biográfica resumida de quatro expoentes da arquitetura e da engenharia afrodescendente na cultura brasileira. Seguimos pela exemplificação da matemática nas praticas culturais africanas. Reforçamos nosso argumento pelas realizações da Afroetnomatemática pelas pratica culturais das religiões do Candomblé no Brasil. Terminamos pela introdução de um jogo antigo africano muito útil para a educação matemática brasileira atual. A função deste texto é da motivação ao leitor educador para ir consultar uma literatura mais ampla apresentada no final do texto.

 

2-     AFRODESCENDENTES EXPOENTES NA ENGENHARIA E NA ARQUITETURA.

  Na década de 1970, eu estudei engenharia na Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, e logo no inicio do curso encontrei nesta escola a presença de dois destacados professores negros. Um já falecido, mestre da área de topografia e aero -fotometria, Professor Sergio Sampaio, o outro, um dos engenheiros de renome nacional da área do planejamento de transporte o Professor Doutor Felix Bernardes. Comentando com meu pai sobre a presença deste professores ilustres meu pai fez-me ver que a engenharia brasileira começa com grandes expoentes negros. Dentre eles Mestre Valentin, Theodoro Sampaio, André Rebouças, Antonio Rebouças, Manoel Quirino. A historia dos afrodescendentes na engenharia brasileira é muito rica um pouco difícil de ser recuperada, pois, muitos dos participantes eram autodidatas, construíam sem terem diploma das escolas de arquitetura. Meu pai mesmo sempre trabalhou em engenharia na Secretaria de Obras Publicas do Estado de São Paulo, como desenhista, no entanto, era autodidata e aprendeu arquitetura, fez muitos projetos cuja assinatura foi de outro profissional diplomado. Outra dificuldade é que o país sempre desprezou o conhecimento de africanos e afrodescendentes, devido aos racismos ou a falta de conhecimento dos responsáveis pela elaboração da cultura oficial. 

  Mestre Valentim é um gênio afrodescendente, que inaugura o urbanismo no Brasil. Seu mais importante projeto, o “Passeio público do Rio de Janeiro”, construído em 17, é primeiro conjunto arquitetônico urbano do Brasil e das Américas com ajardinamento e obras de arte ao estilo francês. Trata-se de um gênio do urbanismo, da arquitetura e da escultura, cuja importância nacional em termos históricos só se equipara a Oscar Niemeyer.

Theodoro Sampaio (1855-1937). Dentre os mestres dos mestres a minha maior admiração é pelo engenheiro Theodoro Sampaio devido à riqueza da sua historia de vida. Era filho de escrava, nascido Santo Amaro da Purificação, na Bahia, que depois de formado reuniu dinheiro para comprar a liberdade da usa própria mãe. Foi uma expoente em diversas áreas do conhecimento, sendo pesquisador nas geografias, no saneamento e na filosofia. Mesmo com a usa genialidade e cultura foi vitima das diversas facetas do racismo brasileiro, o que prejudicou em muito a sua carreira profissional e acadêmica, sem, no entanto, impedi-lo em deixar exemplar legado para as gerações futuras a sua época. Viveu e estudou em pleno escravismo criminoso. Estudou na Escola Politécnica do Rio de Janeiro e se formou em 1877. Foi engenheiro responsável pelos planos e água e saneamento das cidades de Santos e de Salvador. Foi professor da Faculdade de Filosofia e fundador da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Dedicou-se também a política sendo deputado federal pelo Bahia em 1927. A rua Theodoro Sampaio, no bairro de Pinheiros em São Paulo, é uma homenagem de reconhecimento da sociedade paulistana a este ilustríssimo engenheiro negro baiano (Costa, 2001).

No período império que também faz parte do período do escravismo criminoso que foi mantido pelo império brasileiro, um negro baiano teve grande destaque com advogado e estadista na corte. Ficou conhecido com o nome de conselheiro Antonio Rebouças. Era autodidata, obteve devidos seus conhecimentos obteve licença para exercer a advocacia em todo o país. Ganhou notoriedade nas lutas pela independência do Brasil na Bahia. Este estadista teve dois filhos engenheiros que são pela suas obras fizeram nome na engenharia brasileira. Eles são André Rebouças (1833 – 1898) e Antônio Rebouças (1838 – 1991) (Carvalho, 1998). O túnel Rebouças existente na cidade do Rio de Janeiro tem este nome em homenagem ao Engenheiro Antônio Rebouças. Os dois engenheiros são nascidos na cidade de Cachoeira no interior da Bahia. Estudaram na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, que antes tinha o nome de Escola Militar, formaram-se em 1860 em engenharia, tendo antes bacharelado em Ciências Físicas e Matemática em 1859, depois fizeram estudos complementares de engenharia em grandes estruturas na França. Antonio Rebouças se dedicou à construção de estradas de ferro e foi responsável pela construção da antiga estrada de ferro de Paranaguá no estado do Paraná. Umas das maiores e mais belas obras da engenharia brasileira. André Rebouças projetou obras de abastecimento de água do Rio de Janeiro e das Docas da Alfândega desta mesma cidade. Foi engenheiro do Exercito Brasileiro durante a Guerra do Paraguai.Os irmãos Rebouças foram abolicionistas e lutaram em defesa dos direitos sociais dos africanos e afrodescendentes.

Manoel Quirino foi artista plástico, arquiteto, professor de desenho, artesão, jornalista, pesquisador da cultura de base africana, político e sindicalista. Torna-se difícil falar de pessoa com tão amplo campo de conhecimento e com uma vida tão intensa. Se não tivesse sofrido as injustiças da cor da pele seria sempre citado e aplaudido como um grande intelectual brasileiro. O seu pensamento abre um ciclo de uma nova forma de pensar o africano e as culturas africanas no Brasil. Somente em tempos recente foi dada a importância que a sua obra merece (Leal, 2004), (Sodré, 2001). Nasceu em pleno tempo de escravismo criminoso na Bahia, em 1851, e foi criado sobre as marcas deste sistema injusto. Ficou órfão e foi criando por uma família que logo percebe seus talentos artísticos e o envia para os cursos de artes. Foi convocado quando jovem para a guerra do Paraguai, indo para o Rio de Janeiros, mas devido seus estudos consegue ficar livre do recrutamento. Voltando a Bahia inicia ampla atividade sindical.  Funda em 1874 a Liga Operaria de Artesões da Bahia. Foi nomeado vereador de Salvador sendo reeleito pelo partido Operário. Paralelo às atividades político – sindical, completa os estudos em artes e torna-se professor de desenho. Dos estudos em artes do desenho evolui para a arquitetura. Foi intelectual ligado ao Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, escreveu no jornal a Província e O Trabalho. Morreu em 1923 deixando vários livros sobre a cultura africana no Brasil.

A nossa ancestralidade é a nossa história, ela é base da nossa identidade étnica, e nossa ancestralidade. Na arquitetura e na engenharia brasileira é muito boa, por isto deveríamos cultuá-la e cuidá-la para que nos inspire no presente para formarmos grandes engenheiros afrodescendentes. Na ancestralidade mais antiga africana, a religião também registra feitos importantes nas áreas de tecnologia, matemática, arquitetura e engenharia, dados nos mitos sobre Inquisses (Nkisis), ou de Orixás como Ogum e Oya (Gleason, 1999).

 

3-     AFRICANOS NO USO DA MATEMÁTICA.

Pequeno Conto:                   O fazedor de fumaça branca.

                                                                                                            Henrique Cunha Jr.  

Parece ser costume de certas tribos européias em realizar um estranho ritual.

Todas às vezes quando vão falar de África o fazem em ambientes fechados e acendem grandes fogueiras. A fumaça branca logo toma o ambiente e tolda os olhos e mesmo olhando para as coisas da África e eles não vem nada.O habito das fogueiras foi por muito tempo praticado pelas comunidades de cientistas. Um dia alguns aboliram este método e se surpreenderam com o que viram. Qual a surpresa viram na África todas a origens dos conhecimentos europeus.A vaidade era talvez a maior destas fogueiras.

A prepotência européia fez com que as teorias racistas tivessem espaço na ciência do ocidental, atrasando significativamente os conhecimentos sobre o continente Africano.  Os povos africanos foram denominados de tribais, incultos, meio irracionais e desprovidos de civilização. A onda de racismo nas ciências se proliferou nos séculos 19 e 20. Infelizmente ate hoje faz parte do conhecimento difundido por muitos educadores sem informações consistentes sobre o continente africano. Esta ausência de informação e pratica da desinformação faz desses educadores uns racistas inconscientes das suas formas de ação. Deste fato resulta que muitos não se consideram racista, mas executam pratica educacionais e sociais racistas.   As práticas sociais inadequadas impediram a ciências e os educadores a verem o esplendor das culturas de base africana e da contribuição destas para o conhecimento da humanidade. 

Muitos dos feitos no campo do conhecimento matemático consideravam restrito ao Egito e não viam que estes conhecimentos se expandiram por extensas regiões do continente africano. Mesmo não conseguiam estabelecer que muitos dos conhecimentos foram transmitidos de outros povos africanos para o Egito. Quando eu leciono história africana (CUNHA JUNIOR, 1999), começo dividindo a África em macros regiões em tornos das grandes bacias fluviais e daí desenvolve um mapa das relações comerciais e culturais entre as diversas regiões africanas. Deste modo mostro que os conhecimentos, sobre tudo os científicos e tecnológicos se propagam por todo o continente.

No continente africano as bases numéricas e as geometrias são diversas, mas existem em todos os povos, elaborados em lógicas e formas de exposição que ficam de às vezes de difícil interpretação para quem foi formado na cultura brasileira ocidental. Esta dificuldade de interpretação e compreensão da forma de exposição levou por muito tempo a conclusão errônea sobre a inexistência de conhecimentos matemáticos importantes nestas culturas. As bases numéricas utilizadas são variadas.(ZASLOVSKY, Claudia. 1973). Os conhecimentos de geometria no continente africano não se restringem ao que nos chamamos de geometria euclidiana. Outras lógicas de composição geométrica são encontradas. Uma delas bastante difundida em diversas aplicações pratica é a geometria fractal. A geometria fractal é constituída de termos um elemento geométrico de base, que sobre replicamentos por operações de rotação e ampliação.

Na geometria fractal cada elemento é constituído de um conjunto de elementos com o mesmo formato, mas em tamanho e disposição diferentes. Os exemplos das geometrias fractal aparecem na construção de vilas de casas numa cidade, em formas de penteados de cabelos, em padronagem de tecidos ou em paredes acústicas em cabanas (Cunha Junior/ Menezes, 2002). Aqui no Brasil as geometrias fractais aparecem nas culturas afrodescendentes na arte, sendo um excelente exemplo alguns trabalhos de Emanoel Araújo, como também de Aluísio Carvão. No campo da matemática ocidental o conhecimento da geometria fractal é muito recente e tem tido grande utilidade nas áreas de produção de circuitos semicondutores, nos campos da informática para representação e reconstrução de formas complexas.   As aplicações de geometria fractal estão relacionadas com as tecnologias da informática.

Para exemplificar a realização de uma figura de geometria fractal foi tomado o fractal de quadrados do Zaire, que aparece no livro de Mubumbila sobre ciências e tradições africanas no Grande Zimbábue (Mubumbila, 1992). O Grande Zimbábue é uma região na África Austral. Neste Fractal as figuras de base são os quadrados e suas rotações e com ampliações dos lados dos quadrados nas mesmas proporções. Esta figura geométrica de base da esquerda aparece na cultura da região de diversas formas estilizadas. Ela esta gravada em tecidos, leques de fibra vegetal e desenhos corporais.   Entretanto este fractal tem uma importância maior para a matemática. Ele permite termos uma demonstração original do teorema de Pitágoras pelas áreas das figuras geométricas inscritas. Trata-se de uma demonstração importante de geometria bem difundida em uma grande região africana.

Para quem quiser ver a demonstração temos que área do quadrado mais externo é igual a do quadrado interno mais os quatro triângulos retângulos complementares. O lado do quadrado interno é a hipotenusa do triangulo retângulo.O lado do quadrado externo é igual a soma dos lados do triangulo retângulo. A área do triangulo retângulo é a área do retângulo dividido por dois. Escrevendo a igualdade das áreas sai o quadrado da hipotenusa é igual a soma do quadrado dos catetos.

 

Figura - 1 Os quadrados fractais e suas variantes iconográficas.

4-     MATEMÁTICAS NOS TEREIROS.

A minha formação em engenharia me levou uma especialização em sistemas dinâmicos. Esta é uma área da matemática que lida dom sistema que tem movimento e faz este movimento armazenado energia. Eu também tinha conhecimentos em história africana e estava em 1987, preocupado com as questões das tecnologias africanas transportadas e modificado por africanos e afrodescendentes na historia do Brasil e das Américas. Por esta razão eu vim a conhecer duas historiadoras que trabalhavam com história das tecnologias na África, as Dras. Adelina Apena, da Nigéria e Glória Emengale, de Trinidad e Tobago.Ambas tinham se doutorado na Nigéria. Elas foram às pessoas que pela primeira vez me falaram dos trabalhos de Judith Gleason (GLEASON, 1999) e Paulus Gerdes () sobre matemática nas sociedades africanas.

Nos anos de 1980 as ciências da matemática de sistemas dinâmicos complexos estavam impactadas pelo que era considerado nos avanços na ciência que era o triunfo da teoria do Caos. Esta teoria mudou muita a nossa visão de cientista sobre a organização das ciências.E sobre a nossa capacidade em prever fatos da natureza através das ciências.  A teoria do Caos explica organização interna de grandes distúrbios que pareciam serem totalmente desorganizados e sem uma explicação matemática. Foi uma teoria revolucionária que mostrou a importância de pequenos efeitos físicos na produção de gigantescos efeitos no futuro distantes. A divulgação da teoria do Caos foi feita dizendo que ela demonstrava que a batida das asas de uma borboleta na Ásia poderia ser o início de uma imensa turbulência atmosférica como um tufão no Caribe alguns meses ou anos mais tarde. A exposição desta teoria do Caos se realizou por uma representação matemática especifica em diagramas circulares mostrando as trajetórias caóticas das variáveis observadas.

O que havia de impressionante em tudo isto? Estas representações da teoria do Caos já existiam há séculos nas representações da Deusa Oya, nas religiões africanas, em diversas partes da África. No Mali, na Nigéria, no Congo, em Angola, na África do Sul. Esta representação está relacionada na cultura de Terreiro, com os fenômenos de turbulência atmosférica de grandes ventos. O trabalho dd Judith Gleason era mais surpreendente, pois mostra a existência de uma combinação turbulenta atmosférica de dimensão continental e de formação caótica justamente sobre o continente africano e muito bem representada no conhecimento religioso do Candomblé. Deduzimos daí que o conhecimento da teoria do Caos, que é recente para a ciência ocidental, já estava registrado e exemplificado como conhecimento religioso africano de diversas formas.  Esta impressionante constatação mexeu demais com a minha emoção e com o meu respeito, para com os conhecimentos de Terreiro, ou melhor, dizendo, o conhecimento guardado pelas sociedades tradicionais afrodescendentes. O meu respeito pelo conhecimento ancestral triplicou, não se tratava apenas da minha história, mas de histórias significativas para o conhecimento da humanidade.

Desde então a procura se ampliou, e não tinha como não se inquietar pela organização dos chamados jogos de adivinhação africanos (BASCOM, 1980), cujo um dos exemplos bastante conhecido, é o jogo de Búzios no Brasil.

A informática trabalha com zeros e huns, constituindo uma base da estrutura de cálculo binária, desenvolvida pela álgebra de Boole. Neste sistema os números de elementos 2, 4 e 16  são de grande significado. Os computadores eletrônicos evoluíram nas combinações resultantes de 16 elementos, bits, para 32, 64, 256, 1024 e 4096 e assim por diante.   O interesse cientifico com relação à cultura de Terreiro aparece quando observamos que os jogos africanos seguem esta mesma lógica. Os elementos de partida jogo de búzios são 16, e se procura a informação pela combinação desta probabilidade de ocorrência do búzio aberto, (um) e do búzio fechado, (zero), numa estrutura de 16 combinados dois a dois. O jogo de búzios é realizado por especialista depois de um longo período de formação. Pois ao movimento das peças do jogo que são os búzios tem associado uma interpretativa filosófica que são os Odus, e cuja complexidade implica numa ampla reflexão sobre o destino possível dos seres individuais e da sociedade na sua totalidade. 

Nas sociedades africanas tradicionais esta formação de especialista no jogo dura períodos de ate 20 anos. Mas e existência de uma estrutura numérica 2, 4, e 16 nos terreiros poderia ser tido como simples coincidência. Assim seria, mas não é. Não o é dado o conhecimento pelos africanos de jogos de tabuleiros com esta estrutura de 16 casas e jogados com dois elementos, nos quais se podem fazer cálculos em diversas bases numéricas, em particular na base binária. O conhecimento do equivalente a álgebra de Boole, Ocidental, nas sociedades africanas é possível que date de mais de 3000 anos. O professor Dr. Africano Muleka, radicado no Brasil e trabalhando em Jequié, na Bahia, apresentou tese na Universidade de São Paulo, apresentado estas evidências dos jogos de Búzios e da ligação destes com os cálculos de estruturas computacionais.

Estes são dois, dos muitos exemplos significativos de conhecimentos em matemática e informática que podemos encontrar nas culturas de comunidades de terreiros. 

 

5-     AWARE, UM JOGO MILENAR AFRICANO.

Aware ou Oware é um jogo que era jogado especialmente pelos povos Ashanti de Gana, e foi devido ao estudo deste povo, que tomei o primeiro conhecimento deste jogo em 1982. Mas depois vim saber que este jogo é encontrado em muitas regiões africanas com diferentes nomes. Adi, no Daomé, Andot no Sudão, Wari ou Ouri, no Senegal e Mali. O jogo também chegou a diversas regiões das Américas, inclusive o Brasil com os nomes de Oulu, Walu, Adji e Ti. Estas denominações fazem parte de um conjunto de jogos e formas de cálculo em tabuleiros, encontrados nas diversas partes da África e da diáspora Africana que podem ser generalizados sob o nome de Mancala. Algumas mancalas são ábacos usados para cálculo aritmético, como se fosse um computador de madeira.

As mancalas são jogos executados em tabuleiros de madeira, geralmente muito ornamentados tem duas filas de casas côncavas para cada lado de cada jogador. Nas bases das seqüências de casas temos duas cavidades maiores para servirem de deposito das peças capturadas durante o jogo por cada jogador. As mancalas mais conhecidas têm duas fileiras paralelas de seis casas e são atribuídas a cada casa quatro peças ou quatro sementes para o funcionamento do jogo. Temos mancalas,como o Yolé com 30 casas, organizadas em 5 colunas e jogadas com 12 peças de cores diferentes em cada casa.

Na versão mais simples da Mancala, no caso o tabuleiro de 12 casas e o jogo começando com 4 peças em cada casa. O objetivo do jogo é de recolher o maior numero possível de peças do jogador oponente. Para realizar o jogo um dos jogadores vai tomar as peças de uma das suas casas e distribuí-las nas casas do outro jogador, sendo uma por cada casa no sentido anti-horário. Neste sentido os depósitos das extremidades do tabuleiro têm a função de casa. Quando se passa pelo próprio depósito se deixa aí uma das peças, quando na distribuição se passa pelo depósito do oponente se pula a distribuição. 

Quando na distribuição das peças de uma casa para as outras, a última peça cai no seu depósito, então você joga de novo. Mantém-se assim, o mando do jogo. Ou seja, escolhe-se uma casa e distribui as peças aí contidas, uma a uma, em seqüência anti-horária. Agora na distribuição das peças se a ultima cair numa casa do seu lado você leva para o seu depósito todas as peças aí contidas. Se o buraco estiver vazio, leva-se esta peça e todas da casa do lado oposto. O jogo termina quando toda uma fileira de casas de um jogador estiver vazia. Aí se contam as peças contidas em cada depósito, vencendo quem tiver maior número de peças. O jogo implica numa constante observação de qual casa se começa a tirar as peças e qual o número de peças contidas para se manter a continuidade de mando do jogo.

Em algumas regiões da África o jogo é realizado na área á frente das casas ou no terreiro, largo pátio que circunda a casa, toda esta área que perfaz o entorno da casa, é o seu terreiro. Não é por acaso que no Brasil, ás comunidades religiosas de matriz africana são denominadas “terreiro”. Cavam-se pequenos buracos em linha reta e utilizando pedregulhos ou conchas como peças para os movimentos. O mesmo pode ser realizado sobre uma mesa com pires de xícaras de café ou de chá e um prato de sobremesa como depósito.

 

6-     Bibliografia.

 

BASCOM, William. Sixteen Cowries. Yoruba divinations from África to the new World.  Indianapolis - USA: Indiana University Press. 1980./ 1993.

CARVALHO, Maria Alice Rezende. O Quinto Século. André Rebouças e a Construção do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Revan, 1998.

COSTA, Luiz Augusto Maia. O Ideário Urbano Paulista na Virada do Século. Engenheiro Teodoro Sampaio e Urbano Moderno (1886 – 1903). São Paulo: Dissertação de Mestrado. FAU – USP, 2001.

CUNHA JUNIOR, Henrique / MENESES, Marizilda.  Formas Geométricas e Estruturas Fractais na Cultura Africana e Afrodescendentes. São Carlos: Anais do Segundo Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros. 2002.

CUNHA JUNIOR, Henrique. Africanidade, Afrodescendência e Educação. Revista Educação em Debate, Fortaleza: Ano 23 v.2, numero 42. Ano 2005 pp. 5- 15.

GERDES, Paulus.  Geometria shona.  Maputo: Instituto Superior Pedagógico, 1993.

______________. Vivendo a matemática: desenho da África.  São Paulo: Scipione, 1990.

GLEASON, Judith. OYA: Um louvor a Deusa Africana. Rio de Janeiro – RJ: Bertrand Brasil Editores, 1999.

LEAL Maria das Graças Andrade.  Manoel Quirino: Entre Letras e Lutas. Bahia 1851-1923. Tese de Doutoramento em Historia. PUC – São Paulo. 2004.

MUBUMBILA, V. Sciences et Traditions Africaines. Les Messages du Gran Zimbabwe. Paris: L´Harmattan, 1992.

OLIVEIRA, Eduardo David. Filosofia da Ancestralidade. Corpo e Mito na Filosofia da Educação Brasileira. Fortaleza: Tese de Doutoramento. Faculdade de Educação. UFC. 2005.

SODRÉ, Jaime. Manoel Quirino: Um herói de raça e classe. Salvador: 2001.

ZASLOVSKY, Claudia.  How African count.  In: African counts, numbers and patterns in Africa culture.  S.l.: Prindle Weber and Smith, 1973. p. 39-51.

 

 

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